Carlos José Arruda
Professor







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30-abril-11   CARLOS ARRUDA

Arquiteto, web designer, enófilo, professor, intérprete francofone, consultor comercial e autor de artigos sobre vinhos, criador e diretor do site Academia do Vinho.

Tipicidade

Um importante quesito na avaliação de um vinho tem sido a sua tipicidade, ou quão típico é um vinho. Explicando melhor, isso quer dizer que avaliamos as características da personalidade aromática e gustativa de um vinho e comparamos com outros vinhos de uma mesma região, ou de uma mesma variedade de uva (ou corte de uvas). Se as características de um vinho estão dentro do que se espera nessa comparação, dizemos que ele é típico, ou não.

A evolução da vinicultura mundial nos tem trazido atualmente vinhos que podemos dizer únicos, pois sua “personalidade” (gosto de usar esse termo, apesar de não ser um consenso entre os conhecedores) é ímpar, não há outro igual.

Atenção, não estamos falando diretamente da qualidade de um vinho, mas do seu estilo, do seu ”jeitão”, que pode ser uma marca registrada de uma região, ou de uma variedade de uva, ou o estilo de um enólogo.

Exemplos pelo Mundo

Alguns exemplos podem ajudar a compreender onde quero chegar: a uva Malbec foi levada da França para a Argentina e lá se aclimatou muito bem, passando a gerar vinhos tintos que hoje são a marca registrada da região de Mendoza. Pois bem, os vinhos de Malbec são ainda produzidos em sua região de origem, Cahors, no sudoeste da França, mas os argentinos definitivamente não se parecem com seus irmãos europeus.

Podemos então dizer que os Malbecs de Mendoza não são típicos, mas com a sua personalidade marcante e a importância que já conquistaram no mercado mundial, quem é a referência para compararmos em termos de tipicidade, Cahors ou Mendoza? Muitos hoje dizem que a referência mudou de hemisfério, devido à importância no mercado atual.

A uva Sauvignon Blanc produz belíssimos brancos no Val de Loire, França, vinhos de uma elegância, mineralidade e frescor inconfundíveis. Os vinhos da mesma uva produzidos no Chile têm em geral maior teor alcoólico, acidez mais pesada e notas explosivas de frutas tropicais. Essas diferenças se devem ao clima bastante diferente, e também ao solo. Nesse caso dizemos que os vinhos dessas regiões têm uma tipicidade diferente, apesar de produzidos com a mesma uva. Na Nova Zelândia, encontramos na mesma uva uma tipicidade bem mais européia, porém com uma explosão aromática bem típica do Novo Mundo.

Nas regiões tradicionais da Europa, o sistema de DOCs (Denominações de Origem) impõe regras rígidas para que os vinhos ali produzidos mantenham sua tipicidade (ou personalidade), mesmo existindo diferenças nos níveis de qualidade entre produtores. Com isso, o estilo permanece (quase) imutável.

Venho observando algumas mudanças importantes nos tintos chilenos, onde o sol poderoso sempre impôs níveis alcoólicos altos (chegando a 15%) e as temperaturas pouco baixas durante a noite não permitem o desenvolvimento de bons níveis de acidez, tão necessária ao equilíbrio e elegância dos vinhos. Ali, 2007 foi considerada uma ótima safra, produzindo vinhos inusitadamente mais elegantes, pois foi um ano mais fresco. Tudo isso porque a Cabernet Sauvignon é uma uva tardia, a última a amadurecer.

Dos últimos 6 tintos chilenos que provei, dos quais 2 são lançamentos, 5 deles mostraram níveis de acidez mais altos que o usual, trazendo aos vinhos um melhor equilíbrio e por conseguinte, mais elegância. Um trabalho pormenorizado nos vinhedos é a explicação dessa mudança, que também é uma importante guinada positiva na tipicidade dos tintos chilenos.

No Médoc, na sofisticada região de Bordeaux, a Cabernet Sauvignon também recebe muito sol, mas a brisa fresca do Atlântico durante a noite garante um desenvolvimento delicado de acidez que é um dos elementos fundamentais para a elegância dos seus Crus mundialmente famosos.

Diversidade: a grande Mercadoria

Com esse breve passeio pelo mundo, quero frisar que cada região vinícola tem em suas características de clima, solo e estilo de produção – conjunto a que chamamos terroir – uma personalidade única para marcar seus vinhos. A nós cabe experimentar, conhecer e escolher nossos preferidos. Os há para todos os gostos, posso garantir.

Uma tremenda contramão nesse processo é a tentativa de “construir” vinhos de uma certa personalidade para agradar (ou explorar) uma preferência de consumidores, pois em vez de explorar a tendência natural – que é única – se pretende industrializar um sabor da moda.

Acredito que as personalidades serão cada vez mais a principal mercadoria no mundo dos vinhos, pois tudo igual cansa.

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