Carlos José Arruda
Professor







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Artigos e Opiniões - Vinhos

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10-novembro-08   FELIPE RUDGE

Felipe Rudge é físico, atua em pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, com ênfase em óptica. Originalmente carioca, hoje mora e trabalha em Campinas, mas mantém seus vínculos com a Cidade (ainda) Maravilhosa. É um amante das Artes e da Natureza (mar e montanha) e aprecia tudo que a vida tem de bom. Já participou de cursos de enologia, em níveis básico e avançado, e teve oportunidade de visitar (detalhadamente) vinícolas no país e no exterior (Américas e Europa), acompanhando de perto os processos, e até dormindo com os vinhos em repouso (no Vale dos Vinhedos). Tem três filhos, Letícia, Denis e Deco (André Felipe).

Planta-se uvas na França, ou melhor, no território que hoje é a França, há milhares de anos. Entretanto nosso artigo não irá tão longe. Vamos apenas até a Idade Média, e voltar rapidamente aos tempos modernos.

Havia na região de Bordeaux, desde o séc. XIII-XIV, duas cepas bastante cultivadas e apreciadas, na época em que os ingleses dominavam a região conhecida como Aquitania. Essas cepas eram chamadas Vidure e Grand Vidure, devido ao tamanho das uvas (uma bem maior que a outra) e davam excelentes vinhos. Pelo menos eram excelentes para os padrões da época, e deram desde então fama à região como boa produtora vinícola.

Passando-se à Renascença, começam a ser adotados métodos modernos de produção - utilizados até hoje, que incluem cuidado e seleção mais criteriosa das videiras e das uvas, passa-se também a designar de modo diferenciado essas cepas.

A vidure foi sendo gradualmente chamada Carmenet, depois Cabernet. Como era oriunda das terras dos francos, um pouco mais ao norte, ficou Cabernet Franc, que é seu nome até hoje, em todo o mundo. A Grand Vidure, que produzia também excelentes vinhos, de sabor distinto e presença marcante, combinada ou não com a Vidure; devido à proximidade, passou por sua vez a ser designada Carmenère (voilà, Carmenet e Carmenère). Aliás, uma outra prima sua, um pouco mais distante, a Merlot, acabou sendo muitas vezes confundida com a Carmenère.

Mas, voltando á nossa estória, em vinicultura sempre teve gente inovando, e lá estava alguém fazendo umas experiências de cruzamento com outras videiras, de regiões próximas, tentando uma hibridização que daria novos sabores... Que tal misturar a tal Cabernet Franc, que se esparramava até as margens do Loire, com aquela outra, maravilhosa, e mesmo poderosa videira de uvas brancas, também daquelas paragens, que os francos chamavam sauvignon (blanc)? Uma tinta e uma branca dariam uma uva clara, vinhos claretes, talvez. Desde sempre, aspectos mercadológicos são relevantes, e uma variedade atraente para os dias mais amenos, ou mesmo mais quentes do ano, com boa estrutura, dando vinhos leves e saborosos, mais duradouros que os brancos, seria um excelente negócio.

A mãe Natureza colaborou com seus caprichos, a Divina Providencia permitiu, e o cruzamento deu certo. Muito certo.

Surge assim uma nova casta híbrida, de frutas menores, com ótimos taninos, boa resistência a pragas casuais, excelente rendimento, sabores e aromas variados, enfim vinhos surpreendentes. Estava criada a petite vidure, ou sauvignon rouge, que passou logo a ser mais conhecida como cabernet sauvignon, devido à sua origem. Durante o séc. XIX tornou-se uma grande estrela, e entrou como principal componente nos melhores vinhos do mundo, combinando-se ainda com cabernet franc, merlot e petit verdot, permitindo desenvolvimento de elaborados processos de vinificação e sensível às sutilezas de terroir.

Na segunda metade do séc. XIX (mais precisamente década de 70), uma praga quase a aniquilou em suas terras de origem. Só não sucumbiu ao efeito devastador da filoxera porque já tinha passado várias fronteiras, inclusive cruzado oceanos até o Novo Mundo. Hoje é sem dúvida, a uva mais conhecida, mais plantada e mais trabalhada no planeta. Quase ninguém se lembra do nome petite vidure, mas o que importa é que continua dando vinhos espetaculares, inclusive em lugares que nem se imaginava que jamais produziriam bons vinhos.

Mas, e a `tia´ Carmenere ? Na França, morreu. Veio renascer muito longe -- o Chile tornou-se sua a nova pátria, ainda que inicialmente de modo duvidoso... Até recentemente, já na segunda metade do séc. XX, pensava-se ser uma variedade de Merlot.

Mas, como em vinicultura sempre tem gente prestando atenção, uma investigação mais criteriosa, incluindo sutilezas da ampelografia (estudo das folhas como assinatura das espécies botânicas), reaparece triunfante a Carmenère, a esquecida Grande Vidure, que dali (Chile) passa a ser nos dias de hoje, reexportada para os quatro cantos do mundo, até mesmo para França !

E as técnicas mais modernas de laboratório, como identificação genética, confirmam esse parentesco centenário. Bela família!

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