Phylloxera e a Carménère
01-agosto-24
Carlos José Arruda
Arquiteto, web designer, enófilo, professor, intérprete francofone, consultor comercial e autor de artigos sobre vinhos, criador e diretor do site Academia do Vinho.
A Praga Phylloxera
A Phylloxera, ou Filoxera, é um pequeno inseto amarelo-claro, relacionado aos pulgões, que se alimenta das raízes e folhas das videiras Vitis Vinifera, sugando a seiva nas raízes das plantas, bloqueando o fluxo de nutrientes e água e terminando por matar as parreiras.
Parreiras atacadas pela Filoxera
Esse inseto chegou à Europa através de mudas de parreiras americanas trazidas por botanistas ingleses em 1850.
Phylloxera Vastatrix, o bicho...
No final do século 19 essa praga infestou e destruiu a maioria dos vinhedos da Europa, principalmente na França.
Mapa da França mostrando as regiões atacadas pela Filoxera
Infelizmente a única forma de combate foi arrancar e queimar as plantas, e os vinhedos tiveram de ser replantados, causando um grande prejuízo e um período de vários anos sem produção.
Uma outra ideia foi inundar os vinhedos, surgindo empresas e equipamentos especializados para isso...
Propaganda dos serviços para inundação de vinhedos
O Combate
As espécies de parreiras americanas possuem defesas naturais contra a Filoxera: suas raízes exalam uma seiva pegajosa que repele a ninfa, obstruindo sua boca quando ela tenta se alimentar da videira.
Filoxera na raiz da videira - foto Joachim Schmid
Surgiu então a ideia do enxerto:
Usar raízes de videiras americanas das espécies Vitis berlandieri, Vitis riparia e Vitis rupestris e enxertar a parte aérea das plantas Vitis Vinifera, com as variedades desejadas, como Syrah, Cabernet, Chardonnay e todas as outras.
Assim se criou uma planta híbrida que resiste ao ataque daquele infame insetinho. Hoje todas as parreiras modernas são enxertadas e a filoxera não consegue mais atacá-las.
A Carménère
Mas o que a uva Carménère tem com a filoxera?
Aconteceu que no replantio de parreiras, principalmente na região de Bordeaux, os vinicultores decidiram não replantar a Carménère, que era usada nos cortes dos vinhos bordaleses.
É comum ouvir que “a Carménère foi extinta”, mas não foi exatamente isso, e sim uma opção dos agricultores, mas isso fez quase desaparecer essa variedade na Europa.
Curiosamente, em alguns locais a Filoxera não conseguiu atacar, como em vinhedos com solos de areia, xisto ou ardósia. Por precaução, os vinicultores de todo o mundo usam plantas enxertadas desde então.
Capricho da natureza, as plantas de Carménère se parecem muito com as plantas de Merlot, e isso levou a um feliz acidente.
No Chile
A partir da segunda metade dos anos 80, o Chile despontou no mercado mundial com vinhos potentes e preços competitivos, despertando o interesse da comunidade mundial para aquele país sul-americano.
Essa ascensão levou pesquisadores europeus para conhecer melhor aquela vinicultura, o que culminou com a realização de um Congresso Internacional de Enologia no Chile, em 1994.
Na Viña Carmen, pertencente à Santa Rita, pesquisadores notaram plantas um pouco diferentes nos ótimos vinhedos de Merlot daquela vinícola, e estudos aprofundados concluíram que se tratava de plantas da variedade Carménère!
As plantas foram isoladas e replantadas, e a Carménère se tornou uma uva emblemática no Chile, onde se desenvolveu em vinhos varietais e em cortes.
Nem tudo são flores: no início a Carménère, que é uma uva de maturação precoce, amadurecia muito rapidamente no clima quente dos vales chilenos, produzindo vinhos com um forte caráter vegetal que marcou seu estilo por um bom tempo.
Aos poucos os vinicultores descobriram que essa tendência estava na maturação incompleta das cascas, produzindo em excesso a substância Pirazina, que dá essa nota gustativa vegetal.
A solução foi retardar a maturação das uvas, dando tempo para a perfeita maturação fenólica das cascas e reduzindo bastante a desinteressante tendência. Isso se faz escolhendo regiões de clima mais fresco, como Colchagua e Cachapoal, e também trabalhando podas diferenciadas para reduzir a insolação nos cachos.
Hoje a Carménère é um patrimônio do Chile, produzindo vinhos de alto nível que vêm consolidar a qualidade da vinicultura daquele belo país.
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